-
Arquitetos: Carlos Castanheira, Jong Kyu Kim, Álvaro Siza Vieira
- Área: 260 m²
- Ano: 2018
-
Fotografias:Park Wansoon
Descrição enviada pela equipe de projeto. Primeiro fizemos a Casa – a Casa de Jeju. Depois foi- nos solicitado projetar uma Tea House. O que é uma Tea House? Foi a nossa primeira questão. Que bom ser arquiteto e sermos confrontados com novos programas, novos desafios. Encontrar solução para algo, estudando, aprendendo.
Como salvaguarda da Casa, o cliente comprou o terreno a poente de modo a ampliar a área de jardim e também construir um espaço onde lhe fosse possível receber convidados sem que a privacidade da Família e da Casa fosse perturbada. Ampliar algo que já está construído e onde todos estão contentes com o resultado, é uma tarefa que pede reflexão.
A Casa já tinha um “anexo” – a casa do caseiro – que está perfeitamente integrada na volumetria, materialidade e funcionalidade. Este novo “anexo” não poderia ter o prejurativo aspeto de anexo. Algo inferior, ao fundo do quintal, de menor qualidade construtiva e – quase sempre – sem preocupações estéticas. Um anexo. As exigências dos Clientes – e as nossas – sempre foram altas.
Usar os mesmos materiais? O mesmo jogo de volumes e volumetria? Parecia-nos difícil pela diferença de programa e vontade dos Clientes. Curiosos – sempre - da arquitetura tradicional – neste caso da arquitetura tradicional coreana – recolhemos informação e visitámos os melhores exemplos, em especial os mais próximos, ali mesmo na Ilha de Jeju. Obras magistrais. Sobretudo as em madeira.
Pareceu-nos que os materiais deveriam ser: pedra e madeira e cobre. Fizemos uma primeira proposta, até para acertarmos o programa e perceber necessidades e expetativas. O sítio deveria ser o mais elevado para dali se deslumbrar o mar e o infinito. O resto seria paisagem de jardim. Localizada ao centro do novo terreno, era necessário fazer ligações. Fáceis, mas de rápida perceção.
O programa é bastante simples. Um espaço amplo de estar onde se possa – com cerimonial – preparar, servir e degustar um precioso chá, mas também – com semelhante cerimonial - abrir uma garrafa e saborear um excelente vinho. Ficámos a perceber que a denominação de Tea House é um pouco mais ampla. Um quarto para repouso, mas também onde uma visita poderia pernoitar com todo o conforto. Um banho, de uso tipicamente coreano, onde é possível a sua utilização total ou parcial.
As divisórias são portas de correr que – copiando e interpretando belos exemplos tradicionais – permitem que o quarto de feche totalmente, parcialmente ou que se abra completamente sobre a paisagem. O banho também. Um jogo de – quase – infinitas possibilidades, permitindo que espaços se transformem e se outras atividades aconteçam. No exterior uma grande varanda a sul – coberta – e um grande terraço a nascente.
Decidido que a Tea House teria o seu contato com o terreno em pedra – pedra quase negra de Jeju, vulcânica – e madeira em toda a sua estrutura, divisões e mobiliário. A impermeabilização ficou garantida por folha de cobre. Mas como a fazer? Na Coreia foi-se perdendo o conhecimento de construir em madeira. Propusemos o desafio de fazer todo o trabalho de construção em oficina em Portugal e enviar tudo prefabricado para posterior montagem in situ. Foi de imediato aceite e um novo desafio nos foi posto.
A madeira escolhida foi Afizélia ou Dossié – afzélia pachyloba. A experiência com a Casa de Chá da Boa Nova – Álvaro Siza 1958-1963 – comprovou as suas qualidades, mesmo em frente ao mar e à agressividade da intempérie. Habituámo-nos que projetar e construir na Coreia é fácil e sobretudo compensador pois a vontade de fazer bem é primordial. Agora era-me possível construir a madeira mesmo ali ao pé do escritório, ao pé de casa.
Serrar, testar, aparelhar, montar, para depois desmontar e em dois contentores enviar para a Coreia. Depois foi necessário enviar quatro carpinteiros portugueses para a montagem. Embora a língua pudesse parecer um obstáculo, a obra de construção civil – betão, infraestruturas, correu sem problemas, pois projetos foram respeitados e tudo corretamente respeitado. Quando a madeira chegou, foi montar num trabalho sincronizado de pré-fabricação, onde a linguagem é consensual e entendível por todos.
Tudo lá está e nada é visível. É habitual nos nossos Projetos e Obras. Todas as Infraestruturas necessárias a um ótimo conforto foram integradas, mas não preponderantes. Existentes, mas ausentes à vista, por desnecessário, por inestético.
As ligações – pedonais – com a Casa, também deveriam ser algo natural, como se sempre ali estivessem. Uma ligação de serviço mais em cima e outra que desde a entrada da Casa permite um passeio pelo jardim ou ir até à Tea House. Uma “porta” faz a ligação entre a Casa e a Tea House. O jardim – da mesma autoria do jardim da Casa - arquiteta paisagista Seo-Ahn STL Total Landscape – é uma daquelas surpresas que – quase - só acontecem na Coreia pela experiência e conhecimento de muitos séculos. Aconteceu num “abrir e fechar de olhos” e está como se sempre assim foi.
Projetar e construir assim é o sonho de qualquer arquiteto. Pelo menos dos que sonham. A realidade é – habitualmente – bem diferente. Agora já sei o que é uma Tea House e o que lá se pode beber.
Porto-Zurique, 11 de Dezembro de 2021.
Carlos Castanheira